The smooth space and the striated space — the nomad space and the sedentary space — the space where the war machine develops and the space instituted by the state apparatus — are not of the same nature.
O espaço liso e o espaço estriado, — o espaço nômade e o espaço sedentário, — o espaço onde se desenvolve a máquina de guerra e o espaço instituído pelo aparelho do Estado, — não são da mesma natureza.
Gilles Deleuze e Félix Guattari

Cassette Tape of the Curió Birdsong / Fita Cassete do canto do Curió. Click on the image to watch Tékhne.
Eng. Human beings, in order to traverse history, needed to rely on the use of tools to benefit from skills culturally acquired. Apparatuses were created that expanded their understanding of the world, starting from materials available in nature and informing them with new conditionings and configurations. The actions of the hand, once inherited and evolutionary, became less important than practices learned and taught. The human being became a manufacturing, building, and inventing entity, determining techniques of use and creation for its artifacts, which direct and drive its actions. This manufacturing evolution was likewise established around the human intention to create and understand sound, leading to the emergence of musical instruments and, consequently, techniques for the use of these tool-like devices.
The development of these sound-intentioned devices, the musical machines conceived throughout history, determined theories and techniques, sonic idealizations and knowledge of what is treated as harmonic. The projectual design of sound tools — their physical construction and structures, still based on the earliest instruments and on a declared formal classicism in their principles — delimited culture and aesthetics around what is sonically accepted: tonal intervals, scales, and harmony were called music; all other sounds were deemed noise, ignored or segregated as non-musical. These are aesthetic choices we adopt among the wide range of sonic alternatives present in the world, a culture informed according to the musical legitimation created within the norms imposed by musical instruments. Physical matter implied techniques of use: form does not follow function, but use follows design.
Technical artifacts carry a specific empiricism in their conformities; they embody technical tendencies of use, stripping power from those who command them. This stems excessively from the initial code created by design, the original project conceived around the tool and its idealized use. Humanity sustained itself through the handling of technical artifacts, and these directly influenced us internally as human beings. We transferred competences to external organs and are intensely transformed by such equipment. We are directly influenced by the technique imposed, we judge sonic aesthetics based on them, and we tend to ignore what we consider non-musical and noisy.
Pt. O ser humano para atravessar a história precisou se sustentar no uso de ferramentas para usufruir de habilidades aprendidas culturalmente. Criou aparatos que alavancaram seu entendimento de mundo, partindo dos materiais disponíveis na natureza, informando-os com novos condicionamentos e configurações. As ações da mão que antes eram herdadas e evolutivas passaram a ser menos importantes que as práticas aprendidas e ensinadas. O ser humano tornou-se um ser fabril, construtor e inventor, determinando técnicas de uso e de criação para seus artefatos, que direcionam e impulsionam suas ações. Esta evolução fabril foi, do mesmo modo, firmada acerca da intenção humana em torno de criar e entender o som, fazendo com que surgissem os instrumentos musicais e, por consequência, as técnicas de uso destes dispositivos ferramentais.
O avanço em torno destes aparelhos de intenção sonora, as máquinas musicais concebidas ao longo da história, determinou teorias e técnicas, idealizações e saberes sônicos do que é tratado como harmônico. O design projetual das ferramentas sonoras, sua construção física, estruturas baseadas até hoje nos primeiros instrumentos criados e em um declarado classicismo formal em seus princípios, delimitou a cultura e a estética em torno do que é sonoramente aceito: os intervalos tonais, as escalas e a harmonia foram chamadas de música; os demais sons foram denominados ruído, sons ignorados ou segregados como não-musicais. Escolhas estéticas que acolhemos dentre a gama de alternativas sonoras presentes no mundo; cultura informada de acordo com a legitimação musical criada a partir do que foi suposto dentre as normas impostas dos instrumentos musicais. A matéria física implicou técnicas de uso: forma não segue função, mas uso segue design.
Os artefatos técnicos carregam uma empiria específica de suas conformidades, carregam tendências técnicas de uso, tirando o poder de quem as comanda. Isso parte exacerbadamente do código inicial criado pelo design, pelo projeto original pensado acerca da ferramenta e seu uso idealizado. A humanidade se sustentou no manuseio dos artefatos técnicos e estes diretamente influenciaram internamente nós como seres humanos. Transferimos competências para órgãos exteriores e somos intensamente transformados por tais equipamentos. Somos influenciados diretamente pela técnica imposta, julgamos a estética sonora a partir deles e tendemos a ignorar o que consideramos não-musical e ruidoso.

Eng. During a trip to Belo Horizonte, in a commercial building with stores specialized in audio media considered outdated — vinyl records, CDs, and cassette tapes — a casual search led me to a curious cassette tape with recordings of the Curió bird’s song. Its yellow cover, showing a man holding a cage and handwritten notes in blue ballpoint pen — which I could not decipher — intrigued me. I paid 5 reais to bring this small treasure from Minas Gerais to my home state of Rio de Janeiro. This cassette also intrigued me for its subject: during my childhood and adolescence in São Gonçalo, the city in Rio de Janeiro state where I grew up, it was very common to come across bird breeders, usually men in small corner bars who spent their mornings next to their exhibition animals, trapped in cages and supposedly learning the songs of other similar birds. I never fully understood the purpose of this caged breeding of flying animals. My own cousin went through a phase as a bird breeder in his late adolescence: he frequented the small bars, traded animals with other breeders much like we traded sticker albums as kids, and taught new songs to his birds through repetitive and lengthy CD recordings. Despite my limited contact with the practice of bird breeding, the understanding of this culture of caged training and teaching of songs for small regional competitions and animal exhibitions still seemed strange and abstract to me.
The human and the natural, the State machine and nomadic life, the musical and the sonic. I structure the entire video around a quotation from Deleuze and Guattari’s text “The Smooth and the Striated.” Cuts contained within geometric grids, juxtapositions between elements representing striated and smooth spaces; human objects and actions complemented by natural devices, examples of genesis, creative process, and of that which imposes no hierarchy or formal structuring born from the State’s desire to limit and evolve with its objectives in mind. The atomic bomb resembling the forms of a jellyfish. The jellyfish fitting perfectly with the soldier parachuting in a monochromatic illustration from an old book on world wars. The static engravings of means of transport, such as the car and the airplane, gaining motion in collage with videos of fish and shark tails. Human technical tools, such as photographic cameras and medical instruments, combined with other technical tools — but now specifically musical ones, such as the piano and the synthesizer. Visual and conceptual juxtapositions of forms that interlock.Tékhne traces a path from the ancestral to the contemporary. From the non-technical to the technical, and then back to the non-technical again.
Pt. Durante uma viagem a Belo Horizonte, em um edifício comercial com lojas especializadas em mídias de áudio consideradas ultrapassadas — vinis, CDs e fitas cassete —, uma sondagem despretensiosa me leva ao encontro de uma curiosa fita cassete com gravações de cantos do pássaro Curió. Sua capa amarela com a imagem de um homem segurando uma gaiola e os escritos em caneta azul esferográfica — que não consigo decifrar — me intrigam. Desembolso 5 reais para migrar a preciosidade de Minas Gerais ao meu estado natal do Rio de Janeiro. Este exemplar cassete me instiga também por seu assunto: durante minha infância e adolescência em São Gonçalo, cidade do estado do Rio de Janeiro onde cresci, foi muito comum se deparar com criadores de pássaros, normalmente homens em pequenos bares de esquina que passavam suas manhãs ao lado de seus animais de exibição, presos em gaiolas e dispostos a supostamente aprender os cantos de outros similares. Não entendia bem os propósitos da criação enclausurada destes animais voadores. Meu próprio primo teve sua fase de criador de pássaros no final de sua adolescência: frequentava os pequenos bares, trocava os animais com outros criadores como trocava figurinhas de álbum quando éramos crianças. Ensinava novos cantos aos seus pássaros através de repetitivas e longas gravações em CD's. Apesar do pequeno contato que tive com a prática de criação de pássaros, o entendimento acerca dessa cultura de criação em gaiolas e ensino de cantos com fins de pequenas competições regionais e exibição dos animais ainda me parecia muito estranha e abstrata de assimilar.
O humano e o natural, a máquina do Estado e a vivência nômade, o musical e o sonoro. Enredo todo o vídeo diante de uma citação do texto "O liso e o estriado" de Deleuze e Guattari. Recortes, contidos em grades geométricas, contraposições entre elementos representativos de espaços estriados e lisos; objetos e ações humanas complementados por dispositivos naturais, exemplos da gênese, do processo criativo e daquilo que não impõe hierarquia ou local de estruturação formal a partir de regras surgidas no desejo de limitar e evoluir com os objetivos do Estado em mente. A bomba atômica que se assemelha das formas da água viva. A água viva que encaixa perfeitamente ao soldado que pula de paraquedas em uma ilustração monocromática de um antigo livro sobre guerras mundiais. As estáticas gravuras de meios de transporte, como o carro e o avião, que tomam motor na colagem com vídeos de caudas de peixes e tubarões. As ferramentas técnicas humanas, como câmeras fotográficas e utensílios médicos que se juntam com as também ferramentas técnicas, mas agora especificamente da música, como o piano e o sintetizador. Justaposições visuais e conceituais de formas que encaixam. Tekhné traça um caminho do ancestral ao contemporâneo. Da não-técnica para a técnica e para a não-técnica novamente.








